Receita de Ano Novo
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade
Para você ganhar
belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da
cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação
como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez
sem sentido)
para você ganhar um
ano
não apenas pintado de
novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas
do vir-a-ser,
novo até no coração das
coisas menos percebidas
(a começar pelo seu
interior)
novo espontâneo, que de
tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se
passeia,
se ama, se compreende,
se trabalha,
você não precisa beber
champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem
receber mensagens
(planta recebe
mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista
de boas intenções
para arquivá-las na
gaveta.
Não precisa chorar de
arrependido
pelas besteiras
consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da
esperança
a partir de janeiro as
coisas mudem
e seja tudo claridade,
recompensa,
justiça entre os homens
e as nações,
liberdade com cheiro e
gosto de pão matinal,
direitos respeitados,
começando
pelo direito augusto de
viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de
merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo,
eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente,
consciente.
É dentro de você que o
Ano Novo
cochila e espera desde
sempre.
Texto extraído do
"Jornal do Brasil", Dezembro/1997
Créditos: Releituras
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